VOZ NOS SONHOS

Elisa Guimarães
3 min readSep 1, 2020

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Parada no alto do rochedo estava a bela e terrível sacerdotisa, seus longos cabelos escuros como a água do mar escorriam mortiços até a sua cintura como se estivessem molhados. Seu rosto, que ainda guardava seus belos traços da raça dos elfos, estava retorcido em uma máscara de crueldade. Um sorriso horrendo. Petrificado em seus lábios. Murmurava baixo, em estado quase febril, palavras que mal se podia entender. Lançadas ao ar, com a maldade cínica de maldições mais antigas e esquecidas de outra era. Em sua mão delgada reluzia um tridente de aspecto fosco, um metal que absorvia a luz ao invés de emití-la. O tecido de seu vestido, outrora delicado e macio, entrameado com algas e musgo.

Tão bela… E tão terrível!

Arrancava suspiros de terror e admiração de seus adoradores fanáticos. Homens, mulheres e crianças, amontoados no cais, sem ousar se aproximar nem mais um passo, e assim arriscar atrair sua ira para si, mas enfeitiçados a ponto de não conseguirem tirar os olhos dela. Seus fiéis súditos, todos recompensados com os dons pútridos da Senhora — sua carne mortal apodrecia e faziam renascer mais próximos da perfeição. Escamas. Guelras pulsantes. Membranas gelatinosas e aguçados espinhos. Nenhum dos espectadores estava imune. Todos entoavam no fundo de suas gargantas gangrenosas uma melodia gutural que faria os ossos do mais bravo guerreiro tremerem incontrolavelmente.

O som aumentava aos poucos, em um crescendo angustiante. Fazendo doer os ouvidos. Ecoando dentro dos crânios. Nascendo das profundezas da alma atormentada. O coro aumentava em poder e em força. Não havia nada que pudesse ser feito, nada que os impedisse. A melodia desenrolava-se tal qual uma serpente sombria e astuta, esperando pelo momento certo.

Sentia os olhos molhados. Mas não eram lágrimas! Era piche viscoso, empapando meus cabelos e minha roupa.

Mas quem era eu? Onde eu estava? Como podia ver aquele espetáculo de loucura e malícia desenrolando-se?

Enquanto me debatia em dúvida e agonia, senti seu toque gélido em meu rosto. Ela olhou diretamente para mim. Com seus olhos vazios que continham todo o universo. Pude ver neles a minha alma atormentada sendo estilhaçada e gritando por misericórdia. Não havia salvação! Todos estávamos condenados!

“Traga-me a coroa!”, sussurrou com sua voz ribombante que fez o mar se erguer em fúria.

Acordei sobressaltada! Molhada de suor em meu saco de dormir, meus companheiros adormecidos ao meu lado, plácidos em seu descanso inocente.

“Sim, minha senhora! A coroa!”, minha voz respondeu ao seu comando em um sussurro.

Esse conto foi escrito por mim para dar um gostinho ao leitor sobre o estilo e ambientação da nova aventura de Crônicas das Chamas V2, A Relíquia de Porto das Brumas. Escrita pela maravilhosa Mônica de Faria e por mim, está sendo publicada em fascículos na revista da Buró Editora — Forbbiden Magazine. Para assinar a revista e conferir a aventura acesse https://www.catarse.me/forbidden

Imagem de André Meister @meister_art no Instagram

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Elisa Guimarães

Revisora, preparadora de texto, editora, tradutora freelancer, mãe de uma criaturinha fofa, esposa de um artista talentoso e ávida leitora.