O golpe do rum

Elisa Guimarães
3 min readMay 6, 2019

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O pirata engoliu em seco, olhando pra baixo com os olhos meio mortiços, uma gota de suor gelado escorreu pelas suas costas. A multidão ao seu redor gritava e uivava. Homens mal encarados, curtidos pelo ar salgado do oceano, com as peles tostadas de sol e muitas histórias para contar — umas fantasiosas, e outras nem tanto assim.

A jovem elfa de cabelos brilhantes e sorriso matreiro sorriu e virou com facilidade mais um copo da bebida escurecida, curtida durante um bom tempo em um barril de madeira. A multidão que se aglomerava ao redor dos dois foi à loucura, gritando e berrando impropérios em mais idiomas do que se poderia entender graças as línguas ébrias.

- Evangeline… Chega — aconselhou o capitão Abiscinto, se inclinando para sussurrar em seu ouvido. — Não posso impedir que se aproximem por muito mais tempo.

Como que para reforçar as palavras do grande homem, um caolho mais empolgado tentou lançar-se em cima de Evangeline, sendo rapidamente neutralizado com um soco no nariz. Uma onda murmurante de indignação crescente percorreu o salão apinhado da taverna. Enquanto isso, os olhos argutos e treinados da elfa procuravam Thay, sua companheira pukka, que se movimentava habilmente entre as pernas dos desavisados.

O desafiado secou seu rosto com um lenço imundo e a ajeitou seu cinto. “Jamais serei derrubado pra uma meninota ousada”, pensou, com a malícia transparecendo em seus olhos baços. Com a mão trêmula, ergueu o copo, respirou fundo e levou-o aos lábios. Quase não conseguiu terminar de engolir o rum que queimava em sua língua, e aos poucos abriu o esgar de dentes podres que chamava de sorriso.

A elfa ergueu o copo mais uma vez, olhando ao redor enquanto sorvia o líquido cor de âmbar… Até que seus olhos encontraram os de Thay que abriu um tremendo sorriso, pulando habilmente para se empoleirar em um corrimão próximo.

- AGORA! — gritou Evangeline no salão apinhado.

Como se estivessem dançando um balé, Abiscinto nocauteou dois homens atrás de si, desferindo socos poderosos capazes de fazer os ossos estalarem. A própria Evangeline virava a mesa improvisada que estava sendo utilizada na disputa de bebidas e apunhalava o guarda-costas de seu oponente. Seu plexo solar explodiu em sangue, deixando o pirata atordoado enquanto observava sua vida se esvair. Thay corria agilmente, pendurando-se no corrimão pelos pés e usando as cabeças dos desavisados como caminho. Mais dois membros da tripulação de Abiscinto, pendurados em janelas, abriam espaço para os companheiros passar com tiros de besta bem colocados.

- ELES PEGARAM O MAPA! PEGUEM-NOS! O MANDRIÃO QUE ME TROUXER A CABEÇA DA ELFA VAI GANHAR 500 MOEDAS DE OURO! — ecoou o berro irritado de um homem alto de cabelos ruivos posicionado em cima do balcão.

Mesmo com a força descomunal do capitão, os cortes precisos de Evangeline e os tiros certeiros de besta de Setha e Vic, parecia que a dama da sorte havia olhado para o outro lado e os corsáriostombariam cairiam para o grande número dos opositores.

- ME DEEM COBERTURA! — gritou a elfa, com a eletricidade estática estalando ao seu redor e o odor de ozônio impregnando o ar já tinto do cheiro acre de sangue e de rum barato.

Dois homens tentaram agarrá-la quando tiveram setas certeiras cravadas em seus pescoços, ao mesmo tempo em que a elfa liberava seu encanto — uma forte descarga elétrica varreu o salão, abrindo espaço para a fuga.

Quando finalmente encontravam-se em segurança, à bordo e em mar aberto, puderam contemplar o mapa que prometia um grande tesouro. Nunca tinham visto nada tão lindo em sua vida… aquilo tinha sabor de Liberdade.

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Elisa Guimarães

Revisora, preparadora de texto, editora, tradutora freelancer, mãe de uma criaturinha fofa, esposa de um artista talentoso e ávida leitora.